Hão de marejar meus olhos
quando eu vir o que está por vir
o que está por vir
por vir
porvir
por
vir
vi
vim
e venci
e lancei a sorte
ao atravessar o Rubicão
que brota dos meus olhos
que marejam e porfiam
TRAPICHE (tra·pi·che)sm 1 Grande depósito para estoque de mercadorias que devem ser exportadas e para atender pedidos de importação; armazém-geral. etimologia - esp trapiche. FANTÁSTICO (fan·tás·ti·co) adj sm 1 Que ou aquilo que é produto da imaginação, que só existe como fantasia. 2 lit Diz-se de obra ou gênero literário caracterizado pela transcendência do real, pela incursão ao mundo do sobrenatural, do terror, da magia, do sonho ou da ficção científica. etimologia - gr phantastikós.
Hão de marejar meus olhos
quando eu vir o que está por vir
o que está por vir
por vir
porvir
por
vir
vi
vim
e venci
e lancei a sorte
ao atravessar o Rubicão
que brota dos meus olhos
que marejam e porfiam
O que eu esqueci?
Como saber, se não me lembro mais?
Quantos anjos caíram?
Quantos se reergueram?
Quantas faces, quantas bocas,
quantas asas e cascos fendidos?
Quem é o Senhor dos Exércitos,
o Guardião das Almas?
Quem é o Deus do Amor?
Eu sou o que sou e serei o que serei,
decapitado e enforcado em minhas próprias vísceras,
atolado e afogado em meu próprio suor.
Quem salvará a donzela da torre?
Quem matará o dragão
e domesticará o unicórnio?
Quem cavalgará a quimera
e decifrará a esfinge?
Não foi a espada que esmigalhou os muros de Jericó.
Ártemis, deusa brilhante,
Rouba as setas de Eros
E envenena meu peito.
Que tua mira perfeita
Não me erre o alvo.
Estira bem o arco
E trespassa-me na alma.
Faz-me gritar ao sentir
A dor do amor
Atravessando meu corpo
Enquanto brilhas distante
No véu negro da noite.
Áries e Câncer estão em conjunção
Sagitário conduz o todo
Escorpião pica, mas quem mata é o Touro
Libra coordena o todo
Aquário protege Peixes dos perigos
Gêmeos confunde o todo
Capricórnio na quimera, Leão não morde
Eu não tenho nenhum vestígio
Nada
Estou nu no quintal de casa
Está frio e eu estou nu
Estou nu, gritando com os braços abertos
Chove e eu estou nu
Um vento frio aquece minha alma
E o meu corpo nu transpira
E o suor evapora
E sobe como fumaça
E minha mente está nua
E todos podem ver por ela
Estou envergonhado
E meu corpo nu envolve minha mente nua
E as gotas que choram
Molham meu corpo nu
Que aquece o vento que sopra
E que espera o sol surgir
O dia vai, a noite vem
A chuva não para
Não é a chuva, sou eu
Estou nublado
Cinza, cinza, cinza, cinza
Espero o cinza ir embora de mim
Meu olhar cinza no céu cinza
Cinza, cinza, cinza, cinza
Só eu sinto
O passar do tempo
O soar das vozes
O lamento do vento
O calor do sol
Só eu sinto
O passar dos dias
Lembro aqueles dias
Quero voltar no tempo
Quero voar
Sentir no rosto, o vento
Quero pensar em te sentir
Só eu sinto
O temor do mundo
Ouço todo mundo
Grito a todo mundo
Não me deixem só
Só eu sinto
O que seus olhares
Em todos os lugares
Querem dizer
Voa, Pombinha triste
Sai do laço que magoa
Vai, tenta, persiste
Não desista assim à toa
Tu consegues, vai, insiste
Pensa só que coisa boa
Se a liberdade 'inda existisse
Vai, Pombinha, voa
Nunca coma deste alpiste
'Inda que a fome te roa
Pensa voltar a voar livre
Liberdade nunca enjoa
Muda a tua carinha triste
Ri, canta, a vida é boa
Ponha tuas asas em riste
Vai, Pombinha, voa
Lembra tudo o que já viste
Lembra, mesmo que doa
Lembra a vida que sentiste
Quando estavas 'inda à toa
Guarda tudo o que disse
Minha voz que 'inda ecoa:
"Deixa de ser triste,
Vai, Pombinha, voa"
Sai do laço em que caíste
Puxa, quebra, 'inda que doa
Força, asas em riste
Vai, Pombinha, voa
Os cristais dos olhos se abrem
E caem no universo
Da lente límpida de mim
Desejo mergulhar em seus olhos
Devorar a serenidade de seus olhos
Flutuar na sua força poética
Desenhar anjos-demônios
E bonecos frenéticos
E crianças enfurecidas
Eu desejo criar o amor eterno
No cristal da Terra
Entrar nas entranhas da transparência
Dos desejos escondidos
A noite chega com seu rastro escuro
E cobre tudo
Esconde paisagens
Miragens
Amores e
Dores
O sol sopra o escuro e o transforma
Em azul tecnicolor
E mostra as paisagens
As miragens
Os amores e suas
Dores
Não quero ver o dia de novo
Quero esconder-me na minha noite
E vencer a dor
O sol vai nascendo lá atrás da serra
Vaqueiro acorda já pegando a sela
Abaixa e faz um carinho na cadela
Monta no cavalo e abre a cancela
Vai indo pra manga para aboiar
Já está de tarde, o sol vai embora
Cantador acorda e já pega a viola
Come alguma coisa até que dá a hora
Pega o instrumento e põe na sacola
Procura um lugar e começa a cantar
O vaqueiro vai aboiando o boi
E quando aboia, ele canta
Cantador também leva gado
O sol vai nascendo lá a trás da serra
Cantador já chega e guarda a viola
Vaqueiro afaga a sua cadela
Sela seu cavalo e abre a cancela
Cantador espera o dia findar
Sempre há o dia
Em que a folha cai da árvore
E rodopia suavemente
Até o chão
Ou desce nas águas
Rápidas de um rio
Um barco à deriva
Que ninguém guia
Cuja única tripulação
É uma pequena formiga
Salva de um afogamento
Um barco que sobe e desce
Aquelas pequenas ondulações
Que conduzem ao mar
Ao mar
Ao mar
Estou vomitando palavras
No meio da noite
Talvez assim o que de ruim
Saia
De
Mim
Silabas
Pequenas
Silabas
Tônicas
Átonas
Atônicas
Tonificadas
Silabas
Fortes
Fracas
Silabas
Lascivas
Puritanas
Silabas
Sãs
Doentes
Silabas
Más
Si
La
Bas
Não é a mesma coisa
Não, não é a mesma coisa
Quando todos sabem
Quando todos sabem
Não é a mesma coisa
Não, não é a mesma coisa
A cor vem e vai
E vai e vem
E temos menos tempo de cor
A cada instante
Rascunho tosco
Croqui incerto
Rasuras e borrões
É assim comigo!
Nanquim
Onde está
Deus, me arte-finalize
Anjo caído na minha janela
Entra que a chuva não tarda
Anjo, me diga o que é aquilo
Que eu sinto quando olho nos olhos daquela
Menina
A Lua pede pro Sol um descanso
Eu não aguento mais ficar sem dormir
De preto você fica sempre tão linda
E eu fico triste quando penso
Em mim
Nunca mais amei ninguém
A tarde cheirava como você
E no caminho que o rio corria
Lírios caiam de meus olhos
Água gasosa brotando da fronte
Como um suor adocicado, um mel
Me queima mais do que o fogo divino
O Anjo me levou a menina pra longe
Daqui
Noite. Chuva. Frio. Ninguém ousa sair na rua. A chuva, pesada, dura mais que uma semana. Pra Pedro Pascoal seria o momento perfeito pra morrer. E foi. No banheiro. Uma queda. A cabeça bate na borda da banheira. Um corte. Sangue. O corpo boiando na banheira. Espuma. Sangue. Chuva. Lágrimas. Não, não há lágrimas. Pedro Pascoal não tinha ninguém...
Dia. Um mendigo qualquer tenta ganhar seu dia. Sol forte. Fome. Ele se sente tonto. Carros. Ele está no meio da rua. Como fora parar lá? Sinal verde. Ele tenta se desviar dos carros. Parece que ninguém o vê. Ninguém o vê. Uma queda. Um pneu sobre sua cabeça. Sangue. Apito. Multidão, que logo se dispersa. Era só um mendigo, só um mendigo. Seu corpo é jogado na vala do esgoto. Ele não tinha ninguém...
Noite. Maria das Graças recebe seu primeiro salário. Há dois meses chegou à capital, sozinha. Há um, conseguiu o emprego de garçonete. E não é muito longe da casa dela. Basta atravessar aquele beco. Mas o beco é tão escuro! Ela sempre se apressa quando está ali. Mas hoje ela está muito feliz pra se importar com isso. Em dois meses nada aconteceu. Não seria hoje. Escuro. Barulho. Medo. Ela acelera o passo. Corre. Uma queda. Mãos a agarram. Medo. Dor. Tapas. Sexo. Roubo. Grito. Ele saca um canivete. Ela nunca mais vai gritar. Sangue. E Maria das Graças não tinha ninguém.
Dia ou noite. Tanto faz. Uma pessoa qualquer passeia por um blog qualquer, lendo. Lê sobre morte. Lê sobre solidão. De repente fecha o blog e começa a pensar. Levanta pra ir ao banheiro, ou comer algo. Não importa. Uma queda. A nuca bate violentamente na quina da mesa da sala. Sangue. Silêncio. Escuro. Você tem certeza de que tem alguém?
Final de semana. Tomei todas as cachaças possíveis. Agora chegar em casa e dormir, pois amanhã é dia de trabalhar. Ah, aqui, cheguei!
Escadas, escadas, odeio todas as escadas. Vou pedir um elevador de presente de natal! E essa porra dessa chave que não entra na fechadura... Pudera, eu nem sei qual dessas fechaduras é a certa. Consegui!
A sala, ah, a sala! Quase no quarto. Falta pouco. Vou me apoiar na parede e esperar o sofá parar de correr. Uma, duas, três, quatro voltas... É, o sofá tá animado! Vou aproveitar e tomar um leitinho na cozinha.
Porra, a luz tá queimada! Num tô vendo nada. Cadê a geladeira? Aqui, achei! Pronto, luz... leite, leite, leite... Não tem leite? NÃO TEM LEITE? Que porra, vou ter que dormir sem tomar leite. Que jeito...
A sala de novo. Oi, sofá, não cansou ainda, não, foi? Vou pular em cima de você... Agora!!! Porra, ele conseguiu escapulir. Que porrada na car eu tomei. Ai!! Fiquei mais tonto ainda. Melhor ir dormir logo. O quarto, o quarto, em que direção fica o quarto, mesmo? Ali, eu acho que é ali. É, é aqui mesmo. Achei! Dormir, finalmente.
Ah, como é bom tirar a roupa! O sapato, então... Vixe, nossenhora, que vontade de bater um mijão!!! Lá vou eu de novo, enfrentar o poderoso sofá. Agora eu vou passar correndo. Ele nem vai me ver.
Quero ver agora, seu sofá! Porra, peraí, rasteira é sacanagem. Seu sofá apelão... Deu levantar daqui que você vai ver! Venha, agora!!! Porra, outra rasteira! Melhor sair correndo. Upa, pronto, escapei. Esse sofá corre mais que um puro-sangue, ave Maria!
Ah, fazer xixi... O barulhinho do mijo batendo na água da latrina... É muito bom... vou aproveitar e escovar os dentes. Eu não ia escovar, não, mas já tô aqui... Posso precisar deles no futuro. Agora tenho uma missão terrível pela frente; encarar novamente aquele sofá. Final de final de semana é foda! Vou correndo pro quarto, tenho que trabalhar amanhã.
Consegui! Consegui!! Atravessei a sala sem tomar uma rasteira !!! Agora dormir, uau! Ué, cadê mô cobertô co mô cherim? Cadê? Ô num sei dormir sem ele! Ô quero, ô quero... Vô procurar. Cadê, cadê, cadê, cadê? Aqui!!! Achei mô cobertozim. Agora, sim, vô podê mimi. Bas notche!
TRINGUILINGUILINGUILING
Ah, não!! Essa porra de relógio não podia esperar nem uns dez minutinhos pra tocar? Tinha que ser logo na hora que eu consegui deitar? Porra!!! Agora é hora de ir trabalhar. Segunda-feira é uma merda! Ainda mais com meu carro quebrado. Vou ligar pra Cofengo pra ver se ele me dá uma carona. O fim-de-semana dele deve ter sido bem melhor que o meu...
P.S.: Tomar rasteira de sofá vestido de paletó e gravata é a pior coisa que pode acontecer a um homem.
Chorei meu pranto último, talvez,
Por ti, que estás perto e longe de meu peito.
(Choras por mim, também?)
Onde fostes, onde estás, me avisa.
Não me deixes só, contigo,
Não te toco, não te vejo,
Sinto, apenas, e repito:
Chorei meu pranto último, talvez,
Por ti, que estás longe e perto de minha boca.
(Pensas em me beijar, também?)
Vivo, corro, fujo, morro,
Choro e me calo por ti.
Sentes caro o meu carinho mais caro,
Mas finges não ver e não me ouvir.
Grito alto em teu ouvido.
Repito:
Chorei meu pranto último, talvez,
Por ti, que estás longe e perto dos meus olhos.
(Sempre lembras de mim, também?)
Antônimos estouram em minha cabeça,
Chuva, sol, amor e ódio.
Relâmpagos percorrem meu id,
Meu ego morre; eu repito:
Chorei meu pranto último
Por ti, que estás longe e perto de minha alma.
(Levarás flores a mim, também?)
Línguas de fogo que varrem o luar
Me lembram centelhas de um olhar
O escuro se esconde de meus medos
O vento me nina com seus dedos
Do sol quero luz, quero calor
Me afogo num lamaçal de dor
Abraço uma boca de ninguém
Depois vou voando muito além
O mundo é mais surreal que meus sonhos
As estrelas me olham me culpando
Os cascos retinam sobre as ondas
Delfins fumegantes se lançando às pontas
Meu olho assustado se esquece de ver
Meu punho cerrado começa a arder
O sangue fervente respinga no chão
Um tronco distante que perde a razão
Dê uma olhada, veja o céu vermelho
Alguém sangrou meus olhos
Salte e mergulhe no rio sangrento
Beba e sinta febre
Corra e se esconda se você quiser viver
Mas nunca tente gritar
Veja o demônio, ele levará sua mente
E bebrá como se fosse vinho
Sinto vontade de navegar
Minhas mãos pelo mar
De seus cabelos
E aportar tranquilo
Nas docas de seus lábios
E tornar-me você
Tua volúpia me atiça
Me ergue forte e com dor
O teu beijo uma premissa
De longa noite de amor
Tuas ancas, quando andas
Querem alguma atenção
O perfume que emanas
Enche de excitação
Tua boca, quando beija
Leva aos céus e deixa
Loucas marcas roxas
O meu rosto irá sorrir
Quando um dia eu sentir
O abraço de tuas coxas
Devorar teu beijo
Matar minha sede na tua saliva
Me afogar em teu suor
Me perder em teus cabelos
Me juntar a teu corpo
Dar-te um pouco de mim
Sorrir e
Chorar por teus carinhos
Ver Deus
Tocá-lo
Me sentir livre
Ser livre
Me sentir meu
Ser meu
Ser teu
Ser eu
Após alguns dias de desespero ele resolveu ir a um médico. E o médico ouviu seu coração. Batia velozmente, mas tinha um som estranho. Não parecia ter um coração ali. Mas batia, e forte, como um tambor. Depois diminuía o ritmo e ficava difícil de ouvir até com o estetoscópio. E voltava a bater de novo. O médico ficou espantado. Era um caso diferente, ele nunca tinha visto nada igual. Pediu uma ultrassonografia.
Procurava, procurava, procurava, e onde estava este coração? Bater, batia... Mas não tava lá! O que havia acontecido? Ninguém sabia. Médicos especialistas, pajés, caboclos, ninguém sabia nada. Milagre? Feitiçaria? Como ele pode estar vivo sem um coração? E as batidas? E a dor continuava.
Era como um punhal trespassando o peito, agora. Era ainda a mesma dor, mas mais forte, mais constante, mais doída. Ele agora perdia o fôlego, desmaiava. Ainda não dormia, nem comia. Foi internado, dormindo com remédios, tomando soro pra se alimentar. E sua família estava cada vez mais preocupada. Os amigos começaram a ir visitá-lo no hospital. Entravam vários ao mesmo tempo em seu quarto. Tentavam animá-lo, faziam piadinhas, ele ria... e em instantes se calava novamente. Olhava pra um ponto e ficava ali, em transe. Até aquele dia.
No meio de mais uma turma de amigos a visitá-lo estava ela... Ela... os olhos dele saíram do transe e entraram naqueles olhos claros que o olhavam preocupados. Ele olhou a pele do rosto dela, sua boca, lembrou de seus beijos macios... Quis alisar seus cabelos. Ganhou um abraço e um beijo no rosto. Ele sorriu, dessa vez de verdade. Todos falavam ao mesmo tempo, mas só uma voz ele conseguia escutar. Ele segurou a mão dela e ficou assim até se despedirem. Ela prometeu voltar breve. Ele sorriu.
A fome atacou, então, seu estômago. Ela estava tão linda! Vestido preto, lindo contraste com sua pele alva. E o perfume de seus cabelos? Ele pediu comida, e comeu! A dor não doía mais. Só um calor, saindo do peito e se irradiando por todo o corpo.
Ele finalmente voltou ao normal. Recebeu alta, estava indo pra casa! Mas sem doença, sem internação. Sem internação, sem visitas, sem ela. A dor voltou. E dessa vez a garganta ficava seca. Não adiantava quanta água ele bebesse, sua boca continuava seca.
E cada nuvem, cada árvore, cada som, cada pessoa, tudo fazia lembrar dela. Seus olhos claros, sua boca pequena... E o travesseiro era agora como pedra, os dias como décadas. E ele resolveu procurá-la. Precisava melhorar. Não aceitava essa situação. O tédio em sua casa era enorme, mas suas pernas não tinham vontade de ir a lugar algum. Quando ele decidiu ir atrás de sua cura, as pernas se levantaram.
Estavam hesitantes, é verdade, mas se levantaram. Doía o peito e seu corpo se curvava, mas ele estava de pé. E ele pegou sua agenda de telefones e foi até o nome dela. E ligou. Ela não estava lá... Quer deixar recado? Não, depois eu ligo. Como eu vou encontrá-la? Tem que ser logo. E seu peito doía menos quando ele pensava em procurá-la. Uma onda de alívio percorria seus músculos, ele se sentia mais forte.
Ele olhou pra porta, e saiu. Pra onde ele queria ir? Nem ele sabia direito. Talvez ao Rio Vermelho... Mas acabou indo ao Iguatemi. Alguma coisa o levava até lá. Ele se dirigiu à praça da alimentação. Pediu uma Coca, encontrou uns amigos. Ele conversou um pouco, se distraiu, riu. Mas era um riso diferente, não era um prazer, era um alívio. O riso liberava aquele aperto, aquela dor que estava presa dentro de seu peito, no lugar de seu coração.
Então, do outro lado da praça da alimentação, passaram dois olhos claros, rindo alto. Ela? Não pode ser... Mas é!!! Ele olhou novamente para o ponto onde ela estava. Mas ela não estava mais lá. Onde poderia estar? Ele a viu caminhando para o elevador. Ele se despediu dos amigos e correu em direção a ela. Muita gente. Ele não conseguia ir muito rápido. Ele finalmente chegou ao elevador, mas ela já tinha entrado. Segundo, primeiro, térreo, gê um, gê dois, gê três. Uma dor incrivelmente grande assaltou o seu peito, fazendo-o quase cair no chão. Ao se recuperar, ele se levantou e desceu correndo as escadas, rápido, até o gê três. Viu, distante, uma enterprise verde já saindo. Seu peito ardia, queimava. Suas vísceras doíam tão intensamente que ele não conseguia se mover, só ficar ali, deitado no chão. Seu corpo fervia, ele sentia frio. Pouco a pouco o frio foi passando, seu corpo esfriando, até ele começar a suar de calor. Ele se levantou com as pernas bambas e seguiu até a saída da garagem. O sol derramou seus raios sobre ele, e ele continuava com o corpo frio, um frio cadavérico. E um vazio no peito.
Ele se sentou no meio-fio. Carros passavam a toda velocidade perto de suas pernas. Ele pôs a cabeça entre as mãos e começou a pensar no seu coração. O que poderia ter acontecido? E por que ela me fez sentir assim? Foi no dia que a enterprise me levou ao passado? Ou no dia que fomos à lua? Ele realmente não sabia o dia que seu coração havia sumido. Poderia, também, ter sido no dia em que ela dissera a ele: “Não é por mal, mas hoje eu vou te fazer chorar.” E ele não havia chorado. Fora ali que havia começado a doer seu peito. Mas ele já sentira antes um vazio dentro de si.
Então ele se levantou e começou a caminhar. Do Iguatemi foi até Itapuã, sentou-se sob o farol. Queria que uma luz indicasse o que ele deveria fazer. Mas não indicava, ele novamente se levantou e começou a caminhar. Pensou em ir pra Vitória. Mas não foi... Perto ali do Rio Vermelho, uma foquinha lhe disse onde ela estava. Ele pensou em levar foquinha consigo, mas ela estava cansada, fumava um cigarro. E ele foi só, atrás de seu coração.
Montou em uma moto emprestada por foquinha e foi até a casa onde estava seu coração, perto das nuvens. E lá estava a meta de sua aventura, pairando no céu. Como chegar lá? E seu peito doeu quando ele a viu. Ela estava linda! Mas não olhava para ele. Os olhos dela viam o infinito, mas não viam ele ali, tão perto. E seus olhos se avermelhavam, ardiam. Ele não chorava, não conseguia. Uma ânsia subia pela sua garganta, parecia que o vazio crescia em tamanho dentro dele.
Ele pensou em desistir de tudo, ficar ali, parado, até o juízo final. Mas aconteceu... Ela olhou pra ele. E se espantou. No peito dele surgiu um forte ribombar, como se inúmeros tambores tocassem em ritmo frenético. Tudo parecia estar em slow-motion. De repente ela começou a mover os lábios: três letras. Ela disse as três letras. Ela o reconheceu... E ele começou a flutuar.
Era como se ele caminhasse nas nuvens. Seu corpo estava leve, a dor já não doía. E ele foi subindo, subindo, até entrar pela janela da casa dela. Ele tentou olhar em direção a ela. Mas seus olhos se ofuscaram. Ajoelhado, ele implorava por seu coração. Seu peito doía, ardia. Ele insistia em olhar pra ela. Ela era tão linda, tão linda... Os olhos dele já estavam sangrando, mas não conseguia desviar o olhar.
Ela tentava falar com ele, ele não ouvia. Pouco a pouco ele foi entendendo o que ela estava a dizer. Ela dizia ter medo do futuro, do passado, do presente. E entregava a ele um coração. Ele, então, percebeu que seria pior. Seria pior que não ter um coração, seria pior que viver com aquela dor, seria pior vê-la recusando, devolvendo seu coração. E doía agora todo o corpo, ele tinha convulsões. A luz vermelha daquele coração se aproximava de seu rosto. Suas unhas rasgavam sua pele, seus dentes serrados não deixavam ele falar. O peito parecia em chamas, parecia trovejar. Suas vísceras estavam como que derretendo. Ele não queria mais que ela lhe devolvesse o coração.
Sem mais pensar, ele apanhou uma ponta de flecha que estava por ali, no chão, e arremessou em direção àquele coração pulsante. A seta atingiu o órgão em cheio, derrubando-o da mão dela, fazendo-o rolar pelo chão, sangrando e murchando. No mesmo instante ela gritou, levando a mão ao peito. Seus olhos estavam úmidos, ela chorava. Ele então percebeu o que havia feito. Ele a matara. Era o coração dela que ela havia-lhe oferecido. Ele a matara. Seus olhos ensanguentados não conseguiam chorar, ele apenas gritava. Se aproximou do corpo dela, ainda vivo. Tomou a cabeça dourada no colo, alisou seus cabelos. Beijou suavemente aquela boca macia, o último beijo. Um último suspiro.
Na mente dele, torturada pela dor, apareceu a imagem de uma minhoca a dizer que o diabo é sempre o amor. E todas as histórias de amor são tristes, e todas as histórias de amor nunca terminam.
O peito dele não dói mais. Seu coração está de volta, agora duro como pedra, como que cristalizado. Ele sente saudade daquela agonia que ele sentia, daqueles olhos claros que não olhavam pra ele, daqueles beijos que tão pouco ele provou...
Hoje é o dia de minha morte
É o dia de júbilo absoluto
Vou por meus amigos de luto
E a invejar minha boa sorte
Vou ver Pedro, João, Jesus
Vou ver Deus, vou ver Maria
Finalmente chega o dia
Em que sinto alguma luz
Vou morrer, mas já te digo
Não derrames uma lágrima
Se tu fores meu amigo
E tu, que foras inimigo
Rogo aos Santos e à Fátima
Para que morras comigo
Os acordes menores
Fluem pra dentro de mim
E, de repente
Após uma sétima preparatória
Desperto para a alegria
De uma escala natural maior
Voltando rapidamente
Meus dedos às nonas
De uma escala
De tristeza
E solidão
Ecoa o eco perto
E longe soa o sono
Fundo
Profundamente perturbado
A minha mente mente
Pra mim, assim
Sem dó, e o pó
E o pó que é neve
Desce dos dedos
De nuvens e somos
Donos do mundo
Por um instante
Distante, longínquo
E o eco ecoa perto
Perto perto
Perto perto
Que dá medo de cegar
Que dá medo de morrer
Que dá medo de matar
Que dá medo de sofrer
E as águas se fecham sobre mim.
Eu, pobre amarrado,
Vou-me afogando.
E os cortes que tu me fizeste,
Eu, sob o mar salgado,
Agonizando.
"Já imaginou, numa noite de luar,
um lago, uma pétala caindo?"
Que teu vento sopre as velas de meu barco
E tua boca sussurre meu nome ao vento
Que se extinga, de uma vez, meu brilho opaco
Que eu emita o meu último lamento
Que teu sorriso ilumine meus horrores
Que tua voz acalente o meu pranto
Que o teu cheiro, que emprestaste às flores
Cubra meu corpo como um terno manto
E então os anjos ao meu lado
Cantarão uma sublime serenata
Not nah, Jack
Mas quem sabe um dia
Você consegue
Nem falou
Nem olhou
Nem falhou...
Not nah, Jack
Tic tac tic tac
Bingo, goal
Not yet, Jack
Sonhe por aí, Jack
Nada custa, nada
Don't forget it...
Jack
Foi claro como o som
De uma flauta doce
Nada é mais normal
Veja quem eu trouxe
Em volta da mesa
Nós jantamos contentes
Comemos, arrotamos
Palitamos os dentes
Não queremos saber
O que existe em nossa volta
Não vemos paredes
Nem janelas, nem portas
Ah! Se o céu caísse
Sobre mim
E eu, como Atlas,
Pelo Pomo das Hespérides,
Me livrasse desse castigo.
Ah! Se o abutre me
Roesse o fígado,
Como se eu fosse Prometeu,
E, por mero acaso, eu
Me livrasse desse castigo.
Ah! Se pela minha libido
Minha hybris me fizesse
Prender na cadeira do Hades
E, como Teseu,
Me livrasse desse castigo.
Não, não, não, não,
Pequei,
Devo pagar,
E quando for castigado
Me livrarei desse remorso.
Escrever num canto
Um canto qualquer
Para que em outro canto
Alguém saiba
Que eu canto
Oh, luz da lua, que luze lânguida,
Que lembra o lamento lento da lepra,
Alaga logo o meu peito delirante,
Limpa o lodo e a lama fétida.
Alisa meus cabelos oleosos e ondulados,
Lambe minha língua como uma louca lerda,
Linda e corpulenta, loira e tuberculosa,
Que late alarmando outros loucos alertas.
Lendo sem a luz solar do velho dia,
Seu claro lume lesa meus olhos,
Lançando-me a um lugar sem alegria.
Alio lágrimas lascivas à lava quente
E leitosa que rola por longos leitos:
De meus olhos molhados, os meus seixos.